Beijos e Abraços

quinta-feira, 2 de agosto de 2012 0 comentários


Dias atrás resolvi revirar as prateleiras dos livros empoeirados da minha família e encontrei vários livros que eu nem mesmo sabia que existia. Encontrei um livro sobre  Língua, Literatura e Redação e resolvi folhear na tentativa de aprender algo que pudesse usar de imediato nas minhas constantes escritas e de fato encontrei.


Era esse texto de Luís Fernando Veríssimo com o nome de "Beijos e Abraços" 


Os franceses se beijam, e não apenas quando estão se condecorando. Mas dois franceses só chegam ao ponto de se beijar no fim de um longo processo de desinformalização do seu relacionamento, que começa quando um propõe ao outro que abandone o "vous", e eles passem a se tratar por "tu", geralmente depois de se conhecer por alguns anos. Não sei se existe um prazo certo para o "vous" dar lugar ao "tu", mas é um passo importante, e até ele ser dado o cumprimento entre os dois jamais passará de um seco aperto de mãos.
Os russos se beijam com qualquer pretexto e dizem que a progressão, lá, não é do aperto de mão para o abraço e o beijo, mas de beijos protocolares para beijos cada vez mais longos e estalados. Na Itália, os homens andam de braços dados na rua, sem que isso indique que são noivos, e o beijo entre amigos também é comum. Os anglo-saxões são mais comedidos e mesmo os americanos, que são ingleses sem barbatana, reagem quando você, esquecendo onde está, ameaça abraçá-los. Ninguém é mais informal que um americano, ninguém mais antifrancês na velocidade com que chega à etapa equivalente ao "tu" sem nenhum ritual intermediário, mas a informalidade não se estende à demonstração física. Até aquele nosso hábito de bater no braço do outro quando se aperta a mão, aquela amostra grátis de abraço, eles estranham.
Já nós somos da terra do abraço; mas também temos nossas hesitações afetivas. O brasileiro é expansivo, mas tem, ao mesmo tempo, um certo pudor dos seus sentimentos. O meio-termo encontrado é o insulto carinhoso.
Não sei se é uma característica exclusivamente brasileira, mas é uma instituição nacional.
- Seu filho da mãe!
- Seu cafajeste!

São dois amigos que se encontram.

- Não, Só me faltava encontrar você. Estragou meu dia.

- Este lugar já foi mais bem frequentado...

Depois dos insultos, se abraçam com fúria. Os sonoros tapas nas costas - outra instituição brasileira - chegam ao limite entre a cordialidade e a costela partida.
Eles se adoram, mas que ninguém se engane. É amor de homem. Quanto maior a amizade, maior a agressão. E você pode ter certeza que dois brasileiros são íntimos quando põem a mãe no meio. A mãe é o último tabu brasileiro. Você só insulta a mãe do seu melhor amigo.

- Sua mãe continua na zona?

- Aprendendo com a sua.

- Dá cá um abraço!

E lá vêm os tapas.
Um estrangeiro despreparado pode levar alguns sustos antes de se acostumar com a nossa selvageria amorosa.
- Crápula!
- Vigarista!

- Farsante!

- My God! Eles vão se matar!

Não se matam. Se abraçam, às gargalhadas. Talvez ensaiem alguns socos nos braços ou simulem direitos no queixo. Mas são amigos. Depois de algum tempo o estrangeiro se acostuma com cenas como esta. Até acha graça.
- Olha aqueles dois se batendo. Até parece briga. Um está batendo na cara do outro. Devem ser muito amigos. Agora trocam pontapés. É enternecedor. Agora um pega uma pedra do chão e... Acho que é briga mesmo!
Às vezes é briga mesmo.
(Veríssimo, Luís Fernando. O Estado de S. Paulo, 09.11.92)






O brasileiro é normalmente expansivo, apesar das dificuldades de expor os próprios sentimentos. Para demonstrar afeto, os homens dão abraços, tapinhas nas costas, trocam "insultos" carinhosos; as mulheres trocam beijinhos no rosto.
E lendo esse texto eu pude perceber que de fato é isso que acontece, eu mesmo sou meio assim. A dificuldade em se relacionar com o outro atinge nosso peito e nossa mente e restringimos nossos sentimentos.
Não poder abraçar um amigo e dizer "Cara te amo" sem ser taxado como gay é algo aterrorizador, vivemos em uma sociedade que limita nossas ações de uma forma tão absurda que nem mesmo na relação pai e filho vemos essa demonstração de afeto.

Falo isso com total certeza nas palavras, pois vejo isso ocorrer na minha família, no meio da minha parentela, amigos, vizinhos... é essa triste cultura que aprisiona nosso ser.


O que eu tenho a dizer é...

France wait for me!!
France! attendez-moi. 

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